quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Thor - Pt 02 - Pescando Monstros

Como prometido, segue mais uma lenda com a minha interpretação.
Esta, agora, sobre Thor e sua terrível inimiga!


Thor já estava ficando impaciente, à dias não saía em nenhuma aventura ou comprava briga com algum inimigo dos deuses. Aguardava o retorno de seu irmão de um braço, Tyr, e seu meio-irmão, Loki, que haviam saído em missão junto com Odin.
O deus-pai havia saído em busca de um caldeirão mágico, onde pudesse fazer mais da bebida divina, Hidromel, a qual acabara após as intensas festividades de Yule (Natal Nórdico), porém deixara seu filho guerreiro para trás, pois este estava desacordado, tal o nível de embriaguez que atingira, e nem os gritos de guerras dos deuses haviam sido capazes de acordá-lo.
Sem tolerar mais a espera, e trançando sua barba ruiva pela nona vez, o deus do trovão decidiu que buscaria uma aventura sozinho, pois não precisava de proteção enquanto portasse seu terrível martelo.
Pedindo passagem pelo Guardião, Thor caminhou por Bifrost, a ponte do arco-íris que ligava Asgard aos outros oito mundos, e foi envolto pelas cores polares. Quando essas se dispersaram, o deus se encontrava numa planície de um tom verde escuro, coberta pelo musgo e líquens da estação gelada.
Durante seu transporte para Midgard (Mundo dos Homens), Thor, não deixara para trás apenas sua terra natal, mas, também, sua forma física. Assumindo a forma de um jovem franzino, mantendo apenas a cor de fogo de seus cabelos e seus olhos de guerreiro. Não aparentando ter mais de 14 anos, o guerreiro achou que poderia desafiar facilmente qualquer humano para uma contenda, uma vez que não passaria nenhuma credibilidade pelo seu físico.
Sempre que assumia uma forma humana, Thor mantinha seus itens mágicos, Martelo, Manoplas e Cinto, invisíveis aos olhos fracos dos mortais, pois estes entregariam, num instante, sua verdadeira identidade, e ninguém seria estúpido o suficiente para bater de frente com um deus, numa disputa de força ou habilidade.
Inalando o ar ao seu redor, em grandes suspiros, sentiu o cheiro úmido e salgado do mar. O mar, algo que apenas este mundo apresentava e motivo de paixão sem igual do guerreiro, por aquela terra.
Não pensando duas vezes, o deus-fracote sorriu e seguiu na direção da vastidão azul-acinzentada, percebendo que a agradável sensação salobra aumentava rapidamente, a cada metro avançado.
Thor logo viu a costa surgir no horizonte e, caminhando por mais algum tempo, percebeu pontos negros ao redor da praia, onde algumas plantas ainda cresciam.
O deus deveria estar realmente longe, pois os pontos negros eram na realidade um gado bovino de ótima estirpe, seus pelos longos brilhando lustrosos quando se moviam com o vento e revelavam parte do corpo gordo dos animais, e, se aproximando, se deu conta da choupana de vime, construída sobre a areia.
A edificação era muito simples, com paredes constituídas por tábuas enegrecidas pela destrutiva brisa marinha e dividida em duas partes, uma onde deveria ser a real morada e outra, com uma enorme porta voltada para o mar, visivelmente utilizada para guardar o grande barco de pesca, cujo casco estava sendo raspado por um homem esbelto, mas com músculos definidos e esculpidos por, aparentes, anos de sua profissão na pescaria, uma vez que Thor percebeu os longos cabelos brancos, presos, num rabo-de-cavalo, por um pedaço de rede.
Percebendo a aproximação do estranho, o velho indagou, apontando com sua ferramenta de lâmina quadrada, como se empunhasse uma espada:
- Quem é você, jovem?
- Sou apenas um andarilho e venho desarmado. - Mentiu Thor, deixando sua voz o mais mansa e inocente possível, obtendo o resultado esperado, pois os olhos do humano o encararam, por alguns segundos, de forma duvidosa, até relaxarem em paralelo ao sorriso que surgiu nos lábios quebrados pelos borrifos da água salgada.
Me chamo Hymir, e o que posso fazer por você? - Indagou, o ancião - Estou com pressa, pois sou o melhor pescador dessa região e não gostaria de perder a maré para lançar meu barco.
A presunção, que escutou naquela afirmação, era exatamente o que Thor buscava nos homens que desejava desafiar, pois estes, inflados pelo modo que viam a si mesmos, eram os que caíam com mais intensidade, ao serem vencidos. E, sem perder tempo, ofereceu sua disputa:
- Por que não me deixa ir com você? Aposto que posso vencê-lo numa competição de pesca.
- Você? - Riu o velhote, estudando o jovem parado ao seu lado - Não conseguiria nem acompanhar meu ritmo, com esses braços finos, nos remos.
- Posso ser mais forte do que pareço. - Retrucou o deus, se deliciando com o ledo engano do homem.
- Vamos fazer o seguinte, - Sugeriu o Hymir, aparentemente, vendo algo diferente no rapaz, pois seus olhos brilharam com algum pensamento que passou por sua mente - se conseguir uma isca digna de pescar um grande peixe, eu o levarei comigo, mesmo que tenha de remar por nós dois.
Acenando com a cabeça, aceitando o desafio, Thor olhou ao seu redor, buscando o que poderia ser utilizado como isca, para garantir sua vitória e também provar, sem revelar sua identidade, que força física não seria um problema. Quando seus olhos finalmente caíram sobre o gado, pastando ao fundo, indagou para o outro:
- Tem um belo gado aqui, como pode o engordar com uma vegetação tão escassa?
- A orla da praia fornece capim suficiente. - Respondeu o velho, distraído de seu próprio desafio - Mas se olhar no centro do rebanho, poderá ver que um deles se destaca. - Apontando para um touro significativamente maior, mais peludo e gordo que os outros. - Aquele é Urrador-do-Céu, ele já nasceu maior que seus irmãos, mas eu garanti seu tamanho por alimentá-lo com as algas marinhas e outras plantas aquáticas que encontro em minhas saídas para o mar.
Encontrando um modo de conseguir sua isca e, ao mesmo tempo, desestabilizar seu adversário, Thor se aproximou de Urrador-do-Céu e, num movimento único, agarrou o animal pelo chifre com uma mão, o lombo com a outra e arrancou a cabeça e peito da criatura, com um puxão.
O deus se desapontou imensamente ao ver que, mesmo com o som brutalmente molhado da carne rasgando e ossos se rompendo, misturados ao retumbante berro final do touro, que fazia jus ao seu nome, Hymir manteve sua expressão impassível, caminhou de volta para a casa, lançou o barco ao mar e disse, num tom apático:
- Traga sua isca. Vamos ou perderemos o tempo certo da maré. Não desejo me retardar mais.
Ambos remaram em silêncio, porém vigorosamente, e atingiram em pouco tempo o local escolhido pelo ancião para sua pescaria. Thor não viu nada de surpreendente na técnica do pescador, à parte dele ter utilizado quase uma coxa inteira de boi como isca, fato que perdera seu impacto quando comparado ao terço de carcaça que descansava no fundo do barco, mas o resultado não deixou a desejar. Em menos de uma hora, Hymir retirou do oceano um imenso marlim, de quase dois metros de comprimento, desconsiderando os afiados noventa centímetros de nariz em forma de espada, do peixe.
- Quero ver superar criatura mais bruta e, simultaneamente, bela que esta. Minha maior captura até agora. - Demandou o ancião, entre risadas arfantes e enquanto limpava o suor do rosto, após a batalha para manter o marlim quieto, ao aguardar que morresse asfixiado.
- Não nesse local. Devemos nos distanciar mais da costa, onde os reais monstros vivem. - Respondeu Thor, com o sorriso mais terrível que seu rosto de garoto permitia.
Os olhos de Hymir demonstraram terror genuíno, à menção de remar para mais longe, e, com a voz trêmula, implorou:
- Não! Não podemos ir! Veja como o mar está mais agitado naquela região. - Apontando para grandes ondas que se formavam na direção que o deus desejava seguir - Dizem que lá é a morada de Jörmungandr, a Serpente do Mundo e maior de todos dos monstros!
Escutando isso, Thor se esqueceu imediatamente da disputa com o velho. Em sua mente, agora, pairava a glória de um desafio inigualável, digno dele, filho de Odin, e maior guerreiro de Asgard, após seu pai.
Ignorando o ganido de Hymir, o Deus do Trovão impulsionou a embarcação sozinho, em direção à tormenta marinha, onde, se equilibrando da melhor maneira possível, ficou em pé e lançou sua isca, que ficara com a boca escancarada num urro inaudível.
Os braços de Thor sentiram o impacto colossal após poucos minutos e, com um puxão digno de um deus, a história do pescador se comprovou.
A gigantesca cabeça de uma serpente, de escamas escuras como as profundezas em que morava, foi arrancada da água. As presas brancas e longas como rios congelados estavam cravadas na carcaça do touro e os olhos amarelos, cheios de veneno, deixavam claro que o réptil imensurável não desistiria enquanto não arrastasse aquele pequeno ser até o fundo do oceano, quilômetros abaixo. E a gargântua contenda de força teve real início.
Hymir, sentiu a embarcação começar a se agitar, acreditando que uma tempestade, sem nuvens ou chuva, estava atormentando o mar, gerando ondas altas como muralhas, mas estava errado, pois ao escorrer, a água revelou as verdadeiras dimensões de Jörmungandr. Cada tsunami levantada ao redor do barco, continha uma seção do corpo da serpente marinha, formando arcos altos como arco-íris e largos como dezenas de homens colocados lado-a-lado.
O pescador não teria conseguido tirar os olhos de tal visão, se o rapaz ao seu lado não tivesse sido acometido pelo júbilo do combate e começasse a gargalhar insanamente, perdendo o controle de seu poder e permitindo que, pouco a pouco, o ancião percebesse a fisionomia divina de Thor.
Ao confirmar que estava na presença de, ninguém menos que, o filho de Odin, a expressão de Hymir se iluminou e, sem desviar a atenção do martelo na cintura do deus, o velho agarrou o marlim no fundo do barco e arremeteu contra o coração do guerreiro, gritando:
- Serei eu, Hymir, o matador de um deus!
Porém, por ser uma entidade divina, Thor era extremamente veloz e tirou o corpo da direção da estocada de Hymir, que, para não cair no oceano, jogou todo seu peso para trás, caindo sentado e, por não ter largado sua arma, girando o peixe-espada num corte vertical, e arrebentou a corda que ligava o senhor dos raios à serpente do mundo.
Não se permitindo à perder a disputa, Thor, num movimento quase instantâneo, tirou Mjölnir de seu cinto e o arremessou contra as ondas, onde Jörmungandr havia desaparecido, impelida pela própria força que estava fazendo para puxar.
- O que você queria fazer, velhote imbecil? - Gritou o deus, furioso.
- Não o que eu queria. - Começou Hymir, se levantando e, ao fazê-lo, foi ficando maior e mais musculoso, até estar quase com o dobro da largura e altura de Thor - O que VOU fazer! Vou vingar meu povo, do qual seu martelo tirou tantas vidas! - e, começando a desferir socos com punhos como arietes, gritou seu desafio - Eu sou um jötunn (gigante) e, agora que lançou sua arma ao mar, vou matar você! Seu disfarce pode ter me enganado, mas seus artefatos eram visíveis para mim!
Cada ataque do gigante poderia ter rachado rochedos, mas nenhum atingiu, se quer, um fio de cabelo vermelho do deus, que, sendo menor, possuía maior equilíbrio e agilidade no apoio instável da embarcação. Porém, por mais que revidasse, os socos de Thor pareciam atingir uma parede de aço quando colidiam com o corpo de Hymir que apenas ria e debochava:
- Quanto tempo irá aguentar, frangote? Quando finalmente o acertar, será preciso apenas de um ataque para que você morra e eu ganhe todos os louros da vitória em meu mundo!
- Se usasse a cabeça para falar menos e pensar mais - Respondeu Thor, respirando com grande dificuldade, pelo cansaço,  e desejando que não tivesse usado tanta força - iria se lembrar de coisas importantes.
- E o que seria? - Gritou o colosso, unindo as duas mãos acima da cabeça, pronto para descer num ataque final, disposto a destruir o barco junto com Thor, se necessário.
- Que eu nunca me desfaria de Mjölnir! - Constatou o deus, esticando o braço para o lado e sentindo seus dedos envolverem o curto cabo do martelo, que, finalmente, voara de volta.
A arma subiu envolta num arco voltaico, retumbando como uma trovoada, ao conectar com o queixo do gigante, que reverberou de volta ao continente, enquanto metade do corpo de Hymir se desintegrava com o impacto da onda de choque gerada.
Quando o silêncio tomou conta e a embarcação estava novamente apenas balançando levemente, Thor olhou para a vastidão do oceano e gritou, para seu adversário reptiliano:
- Nosso confronto não terminou! Nós ainda nos enfrentaremos em batalha!
- Ssssim! - Sibilou, para fora da água, uma voz grave - Pouco antes do fim dos tempos!
E, antes de ser envolvido pela aurora-boreal, Thor encontrou, quase na linha do horizonte, o horrendo par de orbes amarelos, fitando por trás das ondas.

Espero que tenham gostado! Deixem seus comentários e opiniões, para discutirmos!

Saudações mitológicas e até a próxima!


Um comentário:

  1. Ameiii!!! Cada conto melhor do que o outro. Daqui a pouco dá para juntar todos em um livro!

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